30 de abril de 2010

Silêncio

Não sabe se foi a carência, a bebida ou a curiosidade. Estava sentada em um bar. Ele chegou mais tarde. Sentou próximo a ela. Conversaram. Riram. Juntos foram embora. Chegaram ao apartamento dela. Ela se deixou beijar. Respirações ofegantes. Sem palavras. Se entregaram aos desejos e as carícias. Os corpos quentes deitados no chão do corredor. Nus. Se entreolharam. Ele se levantou e foi em busca das peças de roupas largadas pelo trajeto que fizeram até ali. Vestiu-se. Deitada e estanque, ela olhava todos os seus movimentos. Ele virou as costas e partiu. Sem dizer o nome. Sem deixar o telefone. A porta bateu de leve. Ela permaneceu deitada. Sentindo a frieza do chão. Observando. Lembrando. Tentando compreeender o motivo. Divagando sem saber se foi a carência, a bebida ou a curiosidade.

27 de abril de 2010

Jogo

Loucamente minha louca mente,
Só mente ao dizer
Que não mais
Pensa em ti
Somente.

A dor da paixão

Alegria que traz um simples alguém
Mas tão logo se vai, se esguia..
E já não tão intensa derrete lentamente
No olhar de ninguém.

Respirando

Despiu-se por completo e ficou de papo com a lua.
A liberdade sob aquele brilho intenso ajudou espairecer.
Sentiu uma leve brisa e fechou a janela.
 Fechou as cortinas, os olhos..
E então adormeceu...

26 de abril de 2010

Indagação

Ela fumava, nervosamente, um cigarro atrás do outro. Mal acendia um, o jogava no chão e pisava em cima. Andava em círculos. Sentia fome, ânsia, raiva. Sentou. Afundou a cabeça entre os joelhos. Passou freneticamente a mão nos cabelos desgrenhados. Não sabia o que fazer. Não era ela que queria ser livre? Dona de si, independente? Não queria fazer o que quisesse quando bem entendesse? Mandar e desmandar no seu corpo e na sua mente a qualquer momento? Estava ali, agora, querendo que alguém lhe dissesse o que fazer. Nem que fosse o cachorro que deitou ao seu lado quando se sentou na calçada. Estava frio. Escuro. Olhou ao redor. Nada. Então fez o que qualquer ser humano faz em uma ocasião dessa. Chorou. Mergulhou em suas lágrimas por um tempo que a racionalidade não permitia calcular. Fungou. O isqueiro acendendo e apagando nas mãos. Levantou. Ergueu o braço e com o dedo em riste apontou para o céu. Praguejou. Falou palavrões que só poderia ter aprendido em um lugar sujo como aquele em que se encontrava. Calou. Acendeu outro cigarro. Lentamente o tragou. Por inteiro. Com os olhos fixos no céu negro jogou a guimba no chão. Pisou em cima. Rodou com força as pontas dos pés para esmagá-lo, como se assim, exterminasse a pergunta que a inquietava. O que fazer? Sem resposta. Retornou de onde viera.

20 de abril de 2010

Transposição

No meio de entulhos de caixas, sacolas com roupas, pedaços de móveis espalhados eu procuro encontrar. As vestes para a semana, os textos da faculdade, o documento que não guardei, a ordem de uma vida que mudou de direção. Achar as coisas materiais está mais fácil do que me achar. E já tem mais de duas semanas que meu universo está fora do lugar. Não porque eu quero. É porque o mundo não pára para você organizar o seu novo lar, assim como não pára para minimizar sua dor ou ostentar a sua alegria. Estamos imersos e alheio à ele. Simultaneamente. O mais controvérsio em uma mudança é o reencontro. Tá certo que me encontrar atualmente anda complicado. Eu bato na porta e ninguém responde. Grito e escuto o eco da minha própria voz. Porém, perdida na loucura de uma mudança, me visitei.

Reencontrei o meu passado. E é engraçado perceber que certas coisas nunca mudam. Como a minha mania de fazer listas para tudo. Para tudo mesmo: livros que já li e quero ler, músicas que quero escutar, filmes que pretendo ver, tarefas que sou obrigada a executar, metas para o novo ano e todas essas baboseiras. Fora isso, o impecilho para eu me desfazer de coisas antigas é enorme: um furador de papel, uma máquina de escrever, uma câmera compacta, tudo de volta ao guarda-roupa. Tenho duas caixas de lembranças que acumulam desde guardanapos a apitos da copa do mundo de 2002. Foram momentos marcantes e ganhei de pessoas que jamais verei novamente. É uma tentativa de não esquecer e de aquecer a saudade. E, enquanto tirava esses objetos das colossais caixas de papelão, o sorriso voltou a brotar em meu rosto, que há tempos estava tenso e estampava preocupações. Fui me redescobrindo e, mesmo acomodada em minha rotina, vi o quanto mudei. Cresci. Não foi uma tarefa fácil, rápida e indolor. O mundo adulto não cria um buffet de recepções para você. Mas aprendi que mudar é descobirir novos caminhos e repaginar os velhos. Não que eu tenha me encontrado totalmente, nem acretido que isso possa ser possível algum dia, e me livrado dessa angústia constante que é (sobre)viver. Só não esquento a cabeça mais para ter tanta certeza, de mim e das coisas. Controlei o incontrolável que é tentar prever o existir. Aprendi a suportar as tormentas e admirar as calmarias. Travessia.

13 de abril de 2010

Passarela

E ela queria saber a sensação de voar...
Parou ali e olhou para baixo.
Fechou os olhos.
Só ouvia o ir e vir dos carros,
Velozes, mortíferos.
Atrás dela, bem longe, ouvia o coro entoando:
"Não faça isso!", "Ajudem!".
Mas ela já não estava mais ali.
Queria se entregar ao abismo profundo, ao sono eterno.
Pensou.
Um passo de cada vez:
Primeiro o direito, depois o esquerdo.
E, assim, alçou vôo...
Para o inimaginável, para o inevitável fim.
Sentiu o vento e mergulhou no nada.