20 de abril de 2010

Transposição

No meio de entulhos de caixas, sacolas com roupas, pedaços de móveis espalhados eu procuro encontrar. As vestes para a semana, os textos da faculdade, o documento que não guardei, a ordem de uma vida que mudou de direção. Achar as coisas materiais está mais fácil do que me achar. E já tem mais de duas semanas que meu universo está fora do lugar. Não porque eu quero. É porque o mundo não pára para você organizar o seu novo lar, assim como não pára para minimizar sua dor ou ostentar a sua alegria. Estamos imersos e alheio à ele. Simultaneamente. O mais controvérsio em uma mudança é o reencontro. Tá certo que me encontrar atualmente anda complicado. Eu bato na porta e ninguém responde. Grito e escuto o eco da minha própria voz. Porém, perdida na loucura de uma mudança, me visitei.

Reencontrei o meu passado. E é engraçado perceber que certas coisas nunca mudam. Como a minha mania de fazer listas para tudo. Para tudo mesmo: livros que já li e quero ler, músicas que quero escutar, filmes que pretendo ver, tarefas que sou obrigada a executar, metas para o novo ano e todas essas baboseiras. Fora isso, o impecilho para eu me desfazer de coisas antigas é enorme: um furador de papel, uma máquina de escrever, uma câmera compacta, tudo de volta ao guarda-roupa. Tenho duas caixas de lembranças que acumulam desde guardanapos a apitos da copa do mundo de 2002. Foram momentos marcantes e ganhei de pessoas que jamais verei novamente. É uma tentativa de não esquecer e de aquecer a saudade. E, enquanto tirava esses objetos das colossais caixas de papelão, o sorriso voltou a brotar em meu rosto, que há tempos estava tenso e estampava preocupações. Fui me redescobrindo e, mesmo acomodada em minha rotina, vi o quanto mudei. Cresci. Não foi uma tarefa fácil, rápida e indolor. O mundo adulto não cria um buffet de recepções para você. Mas aprendi que mudar é descobirir novos caminhos e repaginar os velhos. Não que eu tenha me encontrado totalmente, nem acretido que isso possa ser possível algum dia, e me livrado dessa angústia constante que é (sobre)viver. Só não esquento a cabeça mais para ter tanta certeza, de mim e das coisas. Controlei o incontrolável que é tentar prever o existir. Aprendi a suportar as tormentas e admirar as calmarias. Travessia.

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